O jornal americano “Crux” e o peruano “El Comercio” publicam trechos da entrevista de Leão XIV à jornalista Elise Ann Allen para o livro “León XIV: ciudadano del mundo, misionero del siglo XXI”, que será lançado em 18 de setembro. O Pontífice fala do papel e dos esforços da Santa Sé pela paz, relança o apelo ao diálogo, nota o declínio do multilateralismo e o crescente abismo entre ricos e classe trabalhadora. Sinodalidade: é a maneira de viver a Igreja juntos, o antídoto às polarizações.
Salvatore Cernuzio – Vatican News
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O papel do Papa, os numerosos compromissos, a dimensão pública até de um telefonema, e também a paz, aquela invocada desde a primeira aparição da Sacada das Bênçãos, que é a “única resposta” neste mundo marcado por conflitos e “mortes inúteis”, e o apelo ao diálogo, a sinodalidade, “antídoto” para as polarizações, e por fim uma menção à sua “identidade” americana/peruana e à sua torcida durante a Copa do Mundo.
“São alguns dos trechos, antecipados pelo jornal americano Crux e o peruano El Comercio, da entrevista do Papa Leão XIV à jornalista do Crux, Elise Ann Allen, a primeira concedida como Pontífice. A conversa – gravada em parte em Castel Gandolfo e em parte em sua residência no Palácio do Santo Ofício – complementa o volume biográfico León XIV: ciudadano del mundo, misionero del siglo XXI, que será publicado em espanhol pela Penguin Perú no próximo dia 18 de setembro. As edições em inglês e português virão em seguida.
Entre Estados Unidos e Peru
Hoje, 14 de setembro, por ocasião do 70º aniversário do Papa, foram publicados alguns trechos que revelam detalhes inéditos de Robert Francis Prevost. A começar por essa dupla pertença aos Estados Unidos, terra natal, e ao Peru, terra de missão. “Obviamente sou americano e me sinto muito americano, mas também amo muito o Peru, o povo peruano, então é uma parte do que sou. Passei metade da minha vida de serviço no Peru, por isso a perspectiva latino-americana é muito valiosa para mim”.
“Estou aprendendo muito”
No Trono de Pedro desde 8 de maio de 2025, Leão XIV garante que ainda tem “uma longa estrada para aprender”. Se a parte “pastoral” tem sido até agora a mais fácil, o Papa diz que ficou “surpreso” com o fato de ter sido “lançado ao nível de líder mundial”. Tudo é público: “As pessoas sabem das conversas telefônicas ou dos encontros que tive com chefes de Estado de uma série de diferentes governos e países do mundo”. O Pontífice também explica que está aprendendo muito sobre o papel diplomático da Santa Sé: “São todas coisas novas para mim… Sinto-me muito estimulado, mas não sobrecarregado”.
Os esforços de paz da Santa Sé
Quanto ao trabalho de defesa da paz, o Papa Leão, respondendo a uma pergunta sobre a guerra na Ucrânia, recorda antes de tudo os apelos lançados nestes meses, por ter elevado a voz para reiterar que “a única resposta é a paz”. “Depois destes anos de mortes inúteis de ambos os lados – neste conflito em particular, mas também em outros conflitos – acredito que as pessoas devem de alguma forma ser despertadas para dizer que existe outra via para resolver a questão”, afirma. Com relação à proposta do Vaticano como mediador dos conflitos, com a possibilidade de sediar mesas de negociação entre Rússia e Ucrânia, Leão XIV salienta que “desde que a guerra começou, a Santa Sé tem feito grandes esforços para manter uma posição verdadeiramente neutra”.
Fazer as partes em conflito dizerem “agora chega”
Para o Papa, a urgência hoje é que “seja exercida uma forte pressão por parte dos envolvidos, suficiente para fazer as partes em conflito dizerem ‘agora chega’, vamos procurar outra maneira de resolver nossas divergências”. “Continuemos a ter esperança”, é seu convite. “Tenho grande confiança na natureza humana”. É verdade, “existem maus atores, existem as tentações”, mas é preciso “incentivar as pessoas a olharem para os valores mais elevados” e insistir em dizer “vamos fazer de forma diferente”.
Polarizações, crises, diferenças
Portanto, o que o Pontífice invoca é o “diálogo”. Ele próprio é o primeiro a promovê-lo através das visitas de líderes mundiais de organizações multinacionais. “Em teoria – observa na entrevista – as Nações Unidas deveriam ser o lugar onde muitas dessas questões são abordadas. Infelizmente, parece ser geralmente reconhecido que as Nações Unidas, pelo menos neste momento, perderam sua capacidade de reunir as pessoas em questões multilaterais”.
Para o Papa, é preciso “lembrar a nós mesmos o potencial que a humanidade tem de superar a violência e o ódio que estão apenas nos dividindo cada vez mais”. Vivemos em tempos de polarização, afirma Leão XIV, sobretudo após a crise de 2020, e também de perda de valores: “O valor da vida humana, da família, e o valor da sociedade. Se perdemos o sentido desses valores, o que resta de importante?”, observa. E aponta o dedo para “o crescente abismo entre a renda da classe trabalhadora e a dos ricos”: “CEOs que sessenta anos atrás talvez ganhassem de quatro a seis vezes mais que os operários, segundo os últimos dados que vi, ganham 6.600 vezes mais que um operário médio”. A propósito, o Papa explica que também leu uma notícia segundo a qual Elon Musk, empresário americano fundador da Tesla e da SpaceX, “será o primeiro trilionário do mundo”: “O que isso significa e sobre o que estamos falando? Se esta é a única coisa que tem valor, então estamos em um grande problema…”.
A sinodalidade para avançar juntos
O Papa Leão XIV dedica um amplo espaço ao conceito de sinodalidade, que “significa que cada membro da Igreja tem uma voz e um papel a desempenhar através da oração, da reflexão… através de um processo”. “Alguns se sentiram ameaçados por tudo isso”, ressalta o Papa. “Às vezes, bispos ou sacerdotes podem ter a sensação de que ‘a sinodalidade vai tirar a minha autoridade’”, mas “a sinodalidade não é isso”. Essa é “uma maneira de descrever como podemos nos reunir e ser uma comunidade e buscar comunhão como Igreja, de modo que seja uma Igreja não focada principalmente na hierarquia institucional, mas sim em um sentido de ‘todos juntos’”. Segundo o Papa Leão, essa é uma atitude que pode “ensinar muito ao mundo atual”. “Não se trata”, afirma, “de tentar transformar a Igreja em uma espécie de governo democrático, já que, se olharmos para muitos países do mundo hoje, a democracia não é necessariamente a solução perfeita para tudo. Trata-se, sim, de respeitar e compreender a vida da Igreja pelo que ela é e dizer: ‘Precisamos fazer isso juntos’”.
Copa do Mundo de 2026
Na entrevista, há também uma menção à Copa do Mundo de futebol de 2026. “Para quem o senhor torce?”, pergunta Allen. “Boa pergunta”, responde Leão: “Provavelmente para o Peru, apenas por causa dos laços afetivos, se quisermos. Também sou um grande torcedor da Itália… As pessoas sabem que sou torcedor do White Sox, mas como Papa sou torcedor de todos os times”.