Pistas de caminhada dos parques de Goiânia dentro de um hospital

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O título é a porta de entrada de um texto. Já li livros que só tinham porta; era algo como na música “Casa”, de Vinicius de Moraes, em que não se podia “dormir na rede / porque na casa / não tinha parede”. Tomara que eu tenha tomado o caminho certo, e que você, altaneiro leitor, na leitura desta insípida crônica, consiga ir além da porta. E mais que isso: se sente no sofá e até tome um cafezinho ou talvez um suco de capim-cidreira com limão adoçado com mel. Pois bem.

Fui fazer alguns exames de rotina do meu coração de manteiga num hospital do Centro. Na realização do teste ergométrico, meu coração, apesar dos batimentos acelerados decorrentes da caminhada na esteira, bateu feliz. Fiz outros exames também. A causa dos batimentos felizes estava dentro da sala. Diante da esteira, havia uma grande televisão, e nela eram mostradas imagens de pessoas nas pistas de caminhada de dois parques de Goiânia. Quando a velocidade da esteira aumentou, o que faz parte do procedimento de rotina do exame, tentei segurar a onda, mas meu sedentarismo (misturado com minha idade) me obrigou a pedir arrego ao médico, que tirou o pé do acelerador. Ufa!

No meu retorno ao hospital para pegar o resultado dos exames, isso três dias depois, escutei a conversa de três mulheres. Era um bate-papo sobre um assunto bem longe da rotina da vida delas. Falavam de caviar comendo arroz com feijão. Estavam sentadas ao meu lado. Cada uma mais convicta sobre o porquê da separação do casal Zé Felipe e Virgínia Fonseca. Convicções estas, creio, buscadas no visgo das redes sociais e sites de fofoca. Uma dizendo que a separação era jogada de marketing do casal, a outra apontando que “o bicho pegou por causa da traição do filho do cantor Leonardo”, cuja prole é uma abundante história épica. A terceira, por sua vez, apontou que a traição era de Virgínia. A mulher inclusive meteu o jogador Neymar na tr(ama) triangular.

Falando em “abundante história épica”, o poeta Carlos Drummond de Andrade cantou, em versos excitantemente eróticos, que “a bunda são duas luas gêmeas”. O bardo metaforizou-as de “esferas harmoniosas sobre o caos”. Esse caos (de consequências variadas, inclusive deleitantes) tem entupido as clínicas de estética de mulheres sem relevo glúteo na busca silicônica das “esferas harmoniosas” e assim fazer os olhos dos homens nada perguntarem sobre a quantidade de “pernas brancas, pretas, amarelas” que passam no bonde.

Enquanto cronista de meia-pataca, fiquei a pensar, enquanto ouvia o palavrório das mulheres, na futilidade que muitas vezes cometemos em desperdiçar nosso tempo com coisas sem valor ou significado. Fato que é decorrente da ferrugem da nossa cabeça, a qual nos empurra para lama do mundo superficial, para a lama do mundo da aparência, a qual é uma tinta frágil sobre uma superfície de areia. Tinta esta que desaparece fácil com o sopro de um vento brando.

A vida frívola nos torna feliz apenas por estarmos vivos, tendo na alma, como versejou Fernando Pessoa, apenas “a lição da raiz / ter por vida a sepultura”. O poeta, no mesmo poema, nos recomenda ir além dessa lição e adoçar a existência de modo mais sublime. Ele chama de triste a pessoa que “vive em casa / contente com seu lar / sem que um sonho, no erguer de asa, / faça até mais rubra a brasa / da lareira a abandonar”.

Sobre o palavrório das mulheres, a vida de cada um é de cada um. O que falavam estava dentro do que suas línguas suportavam como assunto. Não podemos esperar da boca de um corvo o canto de um rouxinol.

Corvo: a ave cantada pelo poeta norte-americano Edgar Allan Poe no famoso poema “O Corvo” | Foto: Sinésio Dioliveira

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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Fonte: Jornal Opção

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