Alexandre Francisco de Azevedo
Especial para o Jornal Opção
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 12/2022 foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com amplitude bem maior do que inicialmente previa, qual seja, o fim da reeleição para todos os cargos do Poder Executivo.
A versão aprovada na CCJ tem por objetivo unificar todas as eleições no Brasil. Isto é, o eleitor, num único dia, elegeria de Vereador a Presidente da República e o Senado Federal teria renovação integral, ao invés dos atuais 1/3 e 2/4 a cada período de quatro anos. O relator da PEC apontou que a medida resultará em economia de custos, pois “a mobilização do aparato necessário à organização de cada eleição é uma operação dispendiosa, que consome recursos públicos escassos, num país em que necessidades prementes da população não foram ainda devidamente equacionadas” bem como propiciará uma redução dos recursos públicos empregados no financiamento de campanhas”.
Além disso, o senador Marcelo Castro indicou que a unificação representará “ganho em ordem e previsibilidade, importante tanto para os atores do processo político, partidos e mandatários, quanto para os eleitores em geral”, pois tanto os “governantes [quanto os] opositores poderiam definir suas estratégias racionais de atuação num horizonte temporal estável; de outro, eleitores, movimentos sociais e agentes econômicos disporiam também de um prazo maior para redefinir suas avaliações dos mandatários e refletir sobre a validação ou alteração de suas simpatias políticas e intenções de voto”.
Como “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada” (Henry Louis Mencken), abaixo tentaremos explicar as falhas potenciais da unificação. De início, registre-se, não ser de hoje a tentativa de unificação das eleições, tratando-a como uma grande panaceia para os problemas da política nacional.

A — não apresentação da regulamentação infraconstitucional da inovação
A versão aprovada na CCJ apenas cuida de estabelecer a regra geral, como de fato deve ser. Porém, o grande risco que se corre é a legislação infraconstitucional não conseguir se adequar de forma minimamente razoável aos ditames da inovação constitucional a tempo para a primeira unificação das eleições.
Em princípio, as normas constitucionais que versam sobre a duração do mandato e a data de realização das eleições possuem eficácia plena, devendo ser aplicadas sem quaisquer normas regulamentadoras. Porém, dada a amplitude da medida, em especial a unificação dos pleitos, há premente e necessária regulamentação, sem a qual a norma Constitucional não será observada e tudo permanecerá tal como está.
Não há como aprovar uma alteração profunda no sistema eleitoral via Emenda Constitucional e deixar para depois os problemas práticos de sua efetivação. No mínimo, já deveria ter, ao menos, um Projeto de Lei tratando do assunto.
B — a poluição da propaganda eleitoral
O primeiro problema de ordem prática a ser enfrentado pelos partidos políticos será da realização da propaganda eleitoral. Unificados os pleitos, o eleitor deverá votar em 9 (nove) candidatos de uma única vez, sendo: 1 Vereador(a), 1 Prefeito(a), 1 Deputado(a) Estadual, 1 Governador(a), 1 Deputado(a) Federal, 3 Senadores(as) e 1 Presidente(a) da República).
Atualmente a propaganda no rádio e na televisão é veiculada de segunda a sábado em dois blocos diários com duração de 25 minutos nas eleições gerais e 10 minutos nas eleições municipais. Também haverá a veiculação 70 minutos diários em inserções para propaganda de seus candidatos tanto nas eleições gerais, quanto nas eleições municipais.
Havendo a unificação das eleições, com toda a certeza, deverá ser readequada a propaganda eleitoral de modo a contemplar tempo mínimo a todos os cargos em disputa. A medida, sem qualquer dúvida, representará aumento do tempo destinado à propaganda nas emissoras de rádio e de televisão.

Poderia se argumentar que a mídia tradicional está perdendo espaço para as redes sociais. Se levarmos em consideração a propaganda na internet, a situação ficará ainda mais complicada. Sem limitações, corre-se o risco de as redes sociais ficarem abarrotadas de propaganda, o que fará com que os eleitores se irritem e, como consequência, percam o interesse nas eleições, aumentando as abstenções, os votos nulos e em branco.
C — conflito entre os temas das eleições municipais e das eleições gerais
As eleições presidenciais têm como tema questões de interesse nacional que envolvem principalmente a política externa e a política econômica – taxas de juros, inflação, desemprego etc. – a segurança pública e saúde. Esses temas são repetidos com menor grau nas eleições estaduais. Já nas eleições municipais, os interesses em jogo são mais direcionados, mais locais mesmo. Iluminação pública, asfalto, saneamento básico, trânsito, transporte público, creches etc.
Qual ou quais das eleições receberá a maior atenção do eleitor? Qual irá gerar maior engajamento? Como serão feitos os arranjos das alianças políticas?
O senador relator apontou que ser “natural que sejam aduzidos argumentos em sentido contrário, em especial quanto à possibilidade de os eleitores confundirem as questões locais com as nacionais, talvez misturando, por exemplo, aspectos da macroeconomia com a pavimentação das ruas ou com a coleta de resíduos”. A essa crítica limitou-se a afirmar que “tais argumentos pressupõem uma incapacidade de o eleitor avaliar e distinguir as situações. Certamente não é o caso do eleitor brasileiro”.
Não se trata de capacidade para entender ou não os temas em questão. Trata-se de economia da atenção. Qual tema irá atrair a atenção dos eleitores, aqueles gerais, mais abstratos ou aqueles que dizem respeito ao cotidiano?
Qualquer servidor da Justiça Eleitoral lotado nos Cartórios Eleitorais sabe como é uma disputa municipal. O quanto essa disputa é visceral. Não por outro motivo, há inúmeras ações visando a cassação de diplomas, de mandatos eletivos e a realização de novas eleições.
De outro lado, há ainda o problema das alianças partidárias. A realidade nacional nem sempre é refletida nos Estados e muito menos nos municípios.
A título de exemplificação, o governador Ronaldo Caiado, em sua campanha à reeleição em 2022, formou uma coligação com 12 partidos, dentre os quais se destacam União Brasil, MDB, PTB, PDT que possuíam candidatos à Presidência da República.
Em âmbito municipal é muito comum ter união entre partidos que se digladiam nos planos presidencial e estadual. Sim, comumente ocorrem coligações entre partidos de esquerda com partidos de direta nas eleições municipais, pois o que se discutem são políticas locais, como já dito acima.
Não haverá forças na Terra que obrigará um candidato a prefeito demonstrar apoio em sua propaganda eleitoral aos candidatos a governador e a presidente se isso significar perda de apoio de seu eleitorado. O mesmo ocorrerá com o candidato a governador apoiando candidatos a prefeito e a presidente se não obtiver dividendos eleitorais.
Para ilustrar o que se acabou de dizer, já houve eleição em Goiás em que alguns partidos apoiavam localmente a candidatura de Marconi Perillo a governador e, no âmbito nacional, a de Lula, quando o partido do primeiro tinha o candidato Alckmin. Sem nenhum pudor, lançaram o movimento Luma com o slogan Lula lá, Marconi aqui.
A realidade local se sobressairá a qualquer arranjo político que se pretenda fazer. A sobrevivência política prevalecerá sobre questões partidárias e o pragmatismo sobre o idealismo.
D — dificuldade para o eleitor votar
Grande parte do sucesso da votação no Brasil se deve ao fato de ocorrerem a cada 2 anos. Com isso o eleitor aprende a votar, no sentido prático mesmo, conhecendo o modo de operação da urna eletrônica. Passando o processo de votação para cada 5 anos, poderá ocorrer tanto do desinteresse, quando o aumento de dificuldade na hora de votar.
Além disso, o eleitor, numa única vez, deverá votar em 9 candidatos apertando, pelo menos 42 teclas. Confira:
5 teclas para vereador, mais a tecla confirma: total 6;
2 teclas para prefeito, mais a tecla confirma: total 3;
5 teclas para Deputado Estadual, mais a tecla confirma: total 6;
4 teclas para Deputado Federal, mais a tecla confirma: total 5;
3 teclas para Senador, mais a tecla confirma. Deve-se multiplicar por 3, pois este será o número de votos que o eleitor deverá realizar: total 12;
2 teclas para Governador, mais a tecla confirma: total 3; e
2 teclas para Presidente da República, mais a tecla confirma: total 3.
Ao final da operação, deverá apertar a tecla confirma novamente para encerrar a votação.
Cria-se, desnecessariamente, uma dificuldade para o eleitor, principalmente para os mais idosos e pessoas com dificuldades diversas.
Volto a afirmar o que já foi dito como reforço: grande parte do sucesso do sistema eleitoral brasileiro decorre do fato de as eleições ocorrerem a cada 2 anos. Isso foi fundamental para treinar e estimular os eleitores a votar.
E — dificuldade para a administração das eleições
Por derradeiro, a unificação das eleições imporá enorme dificuldade para a administração das eleições. E isso não apenas para a Justiça Eleitoral, como poderia pensar.
Quem primeiro sentirá os efeitos deletérios da unificação serão os partidos políticos que terão dificuldades não apenas para a escolha de seus candidatos, como para formação de coligações para as eleições.
Como já dito, e vale a pena repisar, os conteúdos de eleição municipal são distintos daqueles referentes às eleições estaduais, federais e presidencial. São universos distintos. Engana-se quem pensa que as eleições municipais são mais tranquilas. O contrário, são viscerais. E não são por ideologias, pelo menos não nos municípios interioranos, que são a maioria.
Após, a Justiça Eleitoral encontrará dificuldades para assegurar ao eleitor tempo suficiente para votação. Segundo dados do TRE-SP, nas eleições municipais de 2024 o eleitor levou em média 24,8 segundos para votar. E eram apenas dois cargos.
Nas eleições gerais de 2022, o eleitor levou em média 57 segundos para votar. Eram apenas cinco cargos.
Somando os tempos, e considerando ainda os dois cargos adicionais de senadores, o eleitor levará, em média, mais de 100 segundos para votar.
A votação ocorre entre as 8h e às 17h, totalizando 9h de votação. Em média cada local de votação tem de 300 a 400 eleitores. Havendo 400 eleitores e cada um levando 100 segundos para votar, serão necessários 40.000 segundos ou 11h. A solução para possibilitar que todos possam votar sem enfrentar longas filas será ampliar o número de seções eleitorais, aumentando o número de urnas, de salas utilizadas e de mesários convocados.
Deve-se considerar, também, que a utilização de urnas eletrônicas apenas 2 vezes a cada década diminuirá o tempo de vida útil o que também representará aumento do custo operacional das eleições.
Nem precisa mencionar que a unificação causará uma situação de verdadeiro caos no que se refere aos processos judiciais. Aqueles que frequentam as lides eleitorais sabem muito bem que a cada eleição há majoração da quantidade de processos judiciais ajuizados pelos atores judiciais seja com as impugnações aos registros de candidatura, os pedidos de direito de respostas, os pedidos para retirada de conteúdo ofensivo ou irregular nas redes sociais, os recursos eleitorais em face das decisões dos juízes eleitorais, os recursos ordinários e especiais em relação aos acórdãos dos Tribunais Regionais Eleitorais. E a lista continua…
A unificação das eleições, sem qualquer medo de errar, irá colapsar a Justiça Eleitoral, bem como os escritórios e bancas de advocacia que atuam na seara eleitoral. Já é conhecido que os integrantes da advocacia eleitoral, no período de campanha, não possuem vida social. Unificando, talvez sequer tenham vida.
F — concentração de gastos não significa economia de recursos
A unificação das eleições, ao contrário do que tentam fazer crer, não representará nenhum tipo de economia de recursos. Quando muito, representará uma concentração de gastos de duas eleições em uma única oportunidade.
Ou alguém é capaz de acreditar que a classe política utilizará os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha previstos para duas eleições em uma eleição unificada sem qualquer tipo de aumento. Para as eleições gerais de 2022 foi de 4,9 bilhões, mesmo valor utilizado nas eleições municipais de 2024.
À toda evidência, deverá haver uma regulamentação bastante específica estabelecendo porcentagens dos recursos públicos que serão aplicados nas eleições presidenciais, nas eleições estaduais e federais e nas eleições municipais, sob pena de as verbas não chegarem aos municípios.
Em linhas pretéritas já explicamos que o tempo destinado à propaganda eleitoral nas emissoras de rádio e de televisão deverá ser ampliado, o que, em decorrência direta, importará em aumento de gasto também.
Conclusão
De tudo o que foi exposto, só pode-se concluir que a pessoa que defende a unificação das eleições ou não faz a mínima ideia de como as eleições brasileiras são realizadas ou atua de forma extremamente demagógica, apenas para obter algum dividendo eleitoral.
A unificação das eleições não trará qualquer diminuição dos recursos financeiros. Se houver, o que não se acredita, a redução será mínima e os problemas, como colocados acima, serão enormes.
Alexandre Francisco de Azevedo é mestre em Direito Eleitoral; professor de Direito Eleitoral da PUC-Goiás e do Centro Universitário Alfredo Nasser. Doutorando em Direitos Humanos pela UFG. Servidor da Justiça Eleitoral. Membro da Abradep. Redes Sociais: Instagram: @alexeleitoral e X: @alex_eleitoral
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