Ao convocar manifestantes para a Avenida Paulista neste domingo, 29, o ex-presidente Jair Bolsonaro mobilizou cerca de 12,4 mil pessoas, o menor público desde o início de sua série de atos, seis convocatórias após deixar o Palácio do Planalto.
Com o slogan “Justiça Já”, ele acusou o STF de conduzir um “processo de fumaça de golpe” e alegou que os atos de 8 de janeiro de 2023 foram “orquestrados pela esquerda”. Entretanto, o que se percebe é uma tentativa clara de transformar a legitimidade da Justiça em manipulação popular.
O uso da população como escudo político revela, com extrema franqueza, sua estratégia: transferir o foco das acusações que enfrenta, como organização criminosa armada, golpe de Estado e danos qualificados ao patrimônio da União, para uma narrativa de vitimização.
Afinal, ao se colocar como vítima de uma injustiça, ele evita debater os fatos e as atividades que incluem reuniões golpistas, minuta para um estado de sítio e uso da máquina pública. Nesse cenário, a defesa não é da democracia, mas, ironicamente, sua distorção.
Embora se autodenomine defensor da liberdade, Bolsonaro ultrapassa claramente os limites do discurso democrático. Ao atacar o Judiciário, ao afirmar indignação com um processo que, na essência, trata de sua eventual tentativa de golpe, ele força uma polarização institucional perigosa e enfraquece a confiança nas instituições.
Quando o senador Flávio Bolsonaro afirmou que o pai estaria sendo “submetido a uma inquisição” e que “juiz que atua como parte não é juiz, é um perseguidor”, a mensagem foi cristalina: o sistema judicial é alvo.
No discurso, o uso de símbolos internacionais, bandeiras dos EUA, gritos de “Make Brazil Great Again”, constrói o que se chama de bolsonarismo globalizado. Essa estratégia alinha seu movimento com ideologias conservadoras e extremistas de outros países, ao mesmo tempo levantando dúvidas sobre “liberdade para quem?”
O uso dessas bandeiras em um ato “patriótico” repete a narrativa de pertencimento a um suposto “eixo conservador mundial”, um artificialismo simbólico que mascara o real cerne político do que está em curso.
Diversos aliados de Bolsonaro reforçaram esse tom, o pastor Silas Malafaia chamou o ministro Alexandre de Moraes de “ditador” e acusou o STF de “terceirizar a censura”. Já o senador Magno Malta classificou a ministra Cármen Lúcia como “tirana”, falando em “ditadura” do Judiciário.
A retórica passou da crítica institucional para o terreno da crise de autoridade, e não por acaso: isso reverbera diretamente com as denúncias de tentativa de golpe e uso indébito de poder.
Nesse cenário surge ainda a pergunta: o Brasil pode se dar ao luxo de reviver discursos que flertam com o autoritarismo? A resposta suprema é, definitivamente, não. A manifestação expõe uma perigosa manipulação política, em que a liberdade de expressão, um direito legítimo, é usada para deslegitimar o Estado de Direito.
Liberdade de expressão é o pilar da democracia, mas não pode servir para desconstruir a legitimidade do Judiciário. Acusar magistrados de serem “perseguidores” sem provas técnicas ou legais claras é parte da estratégia de desconstrução, com um discurso que retira o foco do conteúdo da denúncia para se concentrar na forma, ou seja, ataca o processo, não os próprios atos. Tire-se o fundamento de provar os atos, o argumento é esvaziado.
Leia também:
Com presença de aliados goianos, Bolsonaro promove nova manifestação na Paulista
Goiás registra 3 acidentes com parapente em menos de um mês; entenda como o esporte é regulamentado