Um dos ensinamentos mais belos da Bíblia é o de que Deus não desespera de nós e nos dá sempre novas chances para reconstruir nossa vida e nossa história.
Cardeal Odilo Pedro Scherer – Arcebispo Metropolitano de São Paulo
O Ano Jubilar de 2025, vivido pela Igreja Católica e compartilhado com toda a humanidade, independentemente das formas diferentes de crer ou não crer, anuncia que a esperança é como um farol que ilumina e atrai para o futuro. É como uma âncora que dá firmeza e segurança ao homem no seu cambaleante peregrinar pela vida. A esperança é uma força poderosa na vida humana. O homem é um ser de esperança, afirmava o filósofo Ernest Bloch.
A esperança move a dar o próximo passo, por mais difícil que seja; ela leva ao sacrifício que a gravidez exige até que nasça o filho e traga alegria. E motiva a fazer todos os sacrifícios necessários para que nada falte ao desenvolvimento do filho. É a esperança que leva o agricultor a semear a terra, os educadores a se dedicarem ao trabalho paciente da formação de pessoas e à transmissão de conhecimentos. É pela esperança que os pregadores fazem sermões, com o propósito de tocar os corações; que o viajante pega a estrada, ou entra no avião, para chegar ao seu destino. É movido pela esperança que se procura o médico, que se pratica o esporte e se trabalha duro de sol a sol.
A esperança também move a curar as feridas depois da luta, a reconstruir as ruínas depois de cada guerra, a acreditar que os males presentes podem ser superados, que o mundo pode ser melhor, que vale a pena apostar no bem e na virtude. A esperança é uma força que faz viver e dá sentido e dinamismo à vida. Quando ela falta, a vida definha e a morte chega. Não é sem razão que o ditado popular afirma que “a esperança é a última que morre”.
No entanto, quantos fatos conspiram contra a esperança em nossos dias e não a alentam em nada! O que esperar quando vemos guerras que perduram em várias partes do mundo e se tornam sempre mais mortíferas e devastadoras? Como alimentar a esperança, quando países gastam somas astronômicas em armamentos e máquinas de destruição, em vez de investir em saneamento, saúde, educação, oportunidades de trabalho e de superação da pobreza? Que sinal de esperança é para o mundo um governante que pretende tornar grande e poderoso o seu país, impondo a outros o preço do desemprego, da estagnação econômica e do subdesenvolvimento?
Tempo paradoxal é este nosso, que desenvolve tecnologias e estratégias de globalização, mas levanta muros contra o estrangeiro e o imigrante e se fecha em bolhas de protecionismo para interesses e privilégios privados! E desperta esperanças e desejos, mas cerceia a busca de realização de anseios legítimos! Como ver esperança nas novas formas de discriminação social, racial, cultural e religiosa dos nossos tempos? Que significa a esperança para as mais de 4 bilhões de pessoas, que têm sua liberdade religiosa cerceada mediante formas severas de repressão e perseguição ou mediante controle do acesso ao emprego, educação, moradia, serviços de saúde, discriminação social e política por causa da pertença religiosa? (ver Fundação Pontifícia ACN, Relatório sobre a liberdade religiosa no mundo, 2023).
Que esperança de futuro se pretende promover mediante descarte de pessoas idosas ou com deficiência? Ou com a defesa e difusão de políticas contrárias à vida humana nascente? Que sentido tem em afirmar e defender um “direito” generalizado ao aborto, como forma de controle demográfico e social, eliminando seres humanos ainda indesejados e indefesos, recorrendo mesmo a métodos cruéis e desumanos, como a assistolia fetal, cujo emprego não é permitido nem mesmo para matar animais?
Certamente não se passa uma mensagem de esperança para o futuro mediante a leniência diante do tráfico e do comércio de entorpecentes, que matam e geram um custo social altíssimo, nem com o tráfico de pessoas para sistemas sofisticados de escravidão e exploração de seres humanos. E não é esperançosa a deterioração do ambiente político, sempre mais polarizado e tenso, incapaz de se dedicar à verdadeira promoção do bem comum. Também não é anunciador de esperança o crescimento das redes de crime organizado, promovendo violência e terror, substituindo-se ao legítimo poder institucional.
Diante desse elenco de mazelas, que é apenas uma pequena amostra dos males que afligem a humanidade, cabem duas atitudes: a resignação passiva ou a esperança ativa. A primeira é a derrota da humanidade e a morte. A segunda motiva para a luta e o esforço para enfrentar e superar os males, para continuar a crer nas possibilidades de bem e de generosidade que resistem em cada pessoa. A esperança abre caminhos e horizontes e desperta energias insuspeitadas. Têm razão aqueles que proclamam que um outro mundo é possível!
Um dos ensinamentos mais belos da Bíblia é o de que Deus não desespera de nós e nos dá sempre novas chances para reconstruir nossa vida e nossa história. O Ano Jubilar celebrado pela Igreja Católica proclama que “a esperança não decepciona” (ver Romanos 5:5), porque está firmemente ancorada no amor de Deus, que não abandona o homem, mas o atrai à realização plena de sua esperança.
Publicado originalmente no jornal O ESTADO DE S.PAULO em 9 de agosto de 2025