Pequenos comerciantes que atuam às margens da BR-153, no município de Rianápolis, seguem apreensivos diante da possibilidade de remoção em razão das obras de duplicação da rodovia, que devem começar em breve. O trecho é administrado pela concessionária Ecovias do Araguaia, responsável pelas intervenções.
Muitos dos comerciantes estão instalados na região há mais de 30 anos, onde também residem. Eles afirmam que a venda de produtos como melancia, abóbora, caju, pequenos restaurantes e pequi é a única fonte de renda que possuem e temem perder o sustento com a retirada.

Os trabalhadores pedem que a Ecovias ofereça uma solução que evite prejuízos, como o pagamento de indenizações, a disponibilização de uma nova área onde possam continuar exercendo suas atividades comerciais ou, ainda, uma solução por parte do poder público.
O Jornal Opção conversou com alguns comerciantes, que expressaram suas preocupações sobre a incerteza quanto ao futuro de seus negócios, além de entrevistar o prefeito de Rianápolis, Gilber Roque.
Comerciantes temem remoção
Há mais de 40 anos, Rubens Santos, de 60 anos, mantém um comércio de frutas, restaurante e lanchonete às margens da BR-153. Ele começou vendendo melancia e hoje oferece refeições a caminhoneiros e viajantes em um ponto movimentado da rodovia. Com o avanço das obras de duplicação da BR e a atuação da concessionária Ecovias do Araguaia, no entanto, Rubens teme ser removido do local sem qualquer tipo de apoio.
“Na época, eu tinha um caminhão. Carregava para cima, para baixo, comprava e vendia. Aí montei um barraco lá embaixo e fiquei 22 anos lá”, lembra. “Quando o pessoal saiu daqui, pediam para eu vir olhar o lugar, que eu sempre estive por perto”.
O negócio cresceu. Hoje ofereço café da manhã, almoço, janta. A gente fecha aqui por volta das 2 horas da manhã, atende caminhoneiro, atende o pessoal da estrada. Isso aqui é o ganha-pão da minha família e de mais 10 colaboradores.”
O clima entre os comerciantes, porém, é de apreensão. “Até agora ninguém sabe o que está acontecendo. Eles só falam: ‘Vou te dar 10 dias para sair, 20 dias, 30 dias’. Cada um tem que se virar, pelo jeito que eles estão querendo fazer”, afirma Rubens. “Acho que cada município deveria ter um local para trazer esse pessoal, porque quem trabalha aqui leva renda para a cidade, mesmo que de forma indireta.”
Rubens conta que nunca houve diálogo da concessionária ou da prefeitura com os comerciantes. “Para mim, nunca falaram nada. O que a gente queria era saber. Acho que deveria ter um local para quem está nas margens da rodovia. Aqui na região tem fluxo de produção de melancia, por exemplo. Cada município deveria saber o que tem no seu território e oferecer alternativas.”

Questionado sobre a atuação do poder público, Rubens é categórico: “A prefeitura lavou as mãos. Não teve nenhuma reunião. Sabendo que isso vai acontecer, ninguém chamou ninguém. É igual o pessoal lá de baixo: deram um mês para sair, e pronto. Nada de conversa.”
Rubens e os demais comerciantes aguardam por uma definição, mas temem ficar desamparados. “Vai ser muita gente que vai ficar sem nada. Todo mundo aqui depende disso para sobreviver. Todos esses comerciantes estão pedindo socorro.”
Há mais de 15 anos, Jailton Santa Cruz Leal Correia trabalha com recuperação de escapamentos de caminhão às margens da rodovia. No local, ele realiza serviços de solda, troca e conserto de peças. Além de sustentar a própria família, Jailton emprega mais duas pessoas.
“Nossa sobrevivência é aqui. Se a gente sair, não sabe para onde vai”, afirma. Ele mora no próprio ponto de trabalho, junto com a esposa.

Segundo Jailton, a concessionária Ecovia já passou pelo local e notificou os trabalhadores sobre a necessidade de desocupação. “Eles já notificaram, disseram que vamos ter que sair. Mas, até agora, não ofereceram nenhum outro lugar nem falaram nada de indenização”, relata.
A incerteza tem gerado preocupação entre os trabalhadores que dependem diretamente da atividade comercial à beira da estrada. “Queremos que indenize a gente para podermos nos estabelecer em outro lugar. Pelo menos ter um dinheiro para comprar alguma coisa e montar o negócio de novo”, defende Jailton.
Para ele, a melhor solução seria a realocação dos comerciantes em um ponto semelhante ao atual. “O ideal seria se conseguissem outro local para todo mundo aqui, porque está todo mundo na mesma situação.”
Há mais de 20 anos, Andrea Rodrigues Carvalho vende melancia em uma barraca às margens da rodovia, no perímetro urbano de Rianápolis. Ela afirma que não sabe fazer outra coisa além de vender frutas. “Só sei vender melancia. Não sei como será se a Ecovias me tirar daqui”, lamenta.
Segundo ela, representantes da assistência social da Ecovias já entraram em contato com alguns comerciantes para discutir a situação. “Veio uma assistente social, pegou nome, pegou endereço, falou que ia analisar nosso caso para ver o que fazia. Mas cada caso eles iam analisar separado”, conta.

Andrea destaca que a barraca é a principal fonte de renda da família. “É cidade pequena, não tem emprego, né? E nós vive disso aqui. Gera muito emprego, né? Porque aqui trabalha eu, minha nora, meu filho. Todo mundo depende dessa renda”, afirma.
Diante da possibilidade de remoção, ela pede apoio para conseguir recomeçar. “Se não tiver um local, pelo menos tem que dar uma ajuda para nós recomeçarmos.”
Allyeferson Martins, de 40 anos, casado e responsável por 15 funcionários, é dono de um restaurante localizado às margens da BR, onde trabalha há 12 anos. Ele conta que todo o sustento de sua família e de seus empregados depende diretamente do negócio.
“Tenho 12 anos que eu estou aqui com esse restaurante, almoço, janta, trabalho até 1, 2 horas da manhã. Dois períodos para levar o sustento para dentro de casa. E aí eles vêm com esse negócio que tem que tirar, tem que sair, e a gente fica sem uma posição clara, sem saber o que vai ser”, afirma Allyeferson.
Ele explica que a Ecovias, simplesmente informou que precisam sair do local, sem oferecer nenhuma contrapartida ou proposta de indenização. “Simplesmente chega e fala que tem que sair. Indenização, outro local, nada, até hoje nada. Estamos esperando uma reunião, mas ninguém vem, e a angústia é grande.”
Sobre o impacto da possível remoção, Allyeferson diz que a economia local depende muito do fluxo da BR. “O meu dinheiro gira aqui dentro do município. Não saio daqui para comprar fora. O dinheiro que essa BR joga dentro da nossa cidade é muito, pouca gente tem ideia disso.”

Ele ainda reforça que o comércio local movimenta a economia da cidade: “Um caminhoneiro que chega aqui não consome só comida, ele compra na farmácia, no mercado, vai no banco, gera renda para o município.”
Quanto à atuação da prefeitura, Allyeferson relata que a gestão municipal está tentando intermediar a situação. “Conversei com vereadores e vice-prefeito, que mandaram notificação para Ecovias cobrando uma reunião, mas ainda estamos aguardando.”
Allyeferson critica a falta de diálogo e a insegurança para investir no negócio. “Se você pensa assim: ‘Ah, vou investir alguma coisa aí, amanhã vem e acaba’, é uma incerteza que paralisa. Não pode nem contratar mais ninguém porque não sabe o que vai virar.”
Ele sugere um acordo semelhante ao que ocorreu em Teresópolis, onde houve negociação e todos puderam continuar trabalhando. “Podia entrar num acordo para ninguém sair perdendo, porque aqui todo mundo depende disso, todo mundo trabalha honestamente.”
Sobre o futuro, Allyeferson alerta para as consequências econômicas e sociais da decisão. “Se deixar acabar, a cidade vai virar uma cidade aposentada, uma cidade fantasma. Aqui a gente produz cerca de 400 marmitas por dia só para produtores rurais. A situação é crítica.”
Por fim, ele faz um apelo: “Não é para agir com brutalidade, não é só chegar e querer tirar. Queremos diálogo, uma solução justa.”
Davi, vendedor de melancia, mora com a esposa e quatro filhos pequenos no mesmo local onde trabalha. Ele afirma estar em situação delicada diante da possibilidade de remoção.
“O pessoal da Ecovias me disse que meu caso está em análise”, conta. “Meu caso aqui é um dos mais críticos, porque eu tenho criança. Eu moro aqui com quatro meninos de menor.”
Sem ter para onde ir, caso seja obrigado a deixar o espaço, Davi pede que a empresa responsável leve em consideração a situação social dos moradores.

“A Ecovias deveria se preocupar com a questão social. Eu acho que mereço uma indenização, uma casa para morar com a minha família e um ponto novo para trabalhar”, afirma.
Há mais de duas décadas vendendo melancia em uma barraca, Waltemir Cândido, de 53 anos, teme ser retirado do local onde garante seu sustento. Após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), a situação ficou ainda mais delicada. Com dificuldades de locomoção, ele conta que vive sob constante preocupação.
“Se já estava difícil, agora, depois do problema de saúde, as dificuldades aumentaram”, afirma. “Nem durmo direito pensando nessa possível retirada. Essa é minha única renda.”
Segundo Waltemir, a atividade é essencial para manter as contas básicas em dia. “É o meio de vida. É o meio que a gente ganha o dinheiro e sobrevive, compra alguma coisa lá em casa, paga uma água, uma energia”, desabafa. Ele lembra ainda que não conseguiu se aposentar.

O vendedor afirma que nem a concessionária responsável pela via nem a Prefeitura ofereceram qualquer alternativa. “A Ecovias não ofereceu nem dinheiro nem nada, não. Chega e fala: ‘É pra sair’. Mas ninguém sai”, relata. “A Prefeitura não ofereceu nada. A Prefeitura fica calada, não mexe em nada, não ajuda em nada.”
Comerciante desde os 13 anos, Ana Flávia, de 35, mantém uma barraca de melancia às margens. Herdado dos pais, o ponto de venda é o sustento da família há quase três décadas.
“É, é de família. Desde os meus 13 anos eu estou aqui. Na época, era barraquinha de caju, né? A gente vendia frutinha de época: caju, mangaba, pequi”, lembra. “Aí, com o passar do tempo, a gente inovou, foi pondo melancia, porque é fruta que dá uma vez por ano. Essas frutinhas sempre acabavam, a gente ficava sem serviço.”
Ana mora atualmente com a filha e o neto no local onde também trabalha. “Eu morava de aluguel. Aí, com o passar do tempo, arrumei um jeitinho de já ficar aqui mesmo, né? Morar e trabalhar no local.”

A notificação de que precisará deixar a área em 30 dias veio como um baque. Ela afirma que a empresa responsável pela obra não ofereceu qualquer alternativa. “Eles falam que está notificando, dando prazo de 30 dias. Aí eles vêm, a gente não sai, eles notificam de novo. Mas falam que não tem indenização e que também não vão arrumar outro local, não.”
A comerciante cobra uma solução justa. “Queremos que arrumem outro lugar para a gente, pois isso aqui é o ganho da gente, isso aqui é cultura.”
“Seria bom se eles arrumassem outro local pra gente ou então pagassem uma indenização, pra gente começar em outro lugar”, conclui.
Prefeito de Rianápolis diz que município não tem condições de ajudar comerciantes
O prefeito de Rianápolis, Gilber Roque Pereira de Miranda (PP), afirmou que a prefeitura não tem condições financeiras para oferecer apoio imediato aos comerciantes que podem ser removidos de áreas sob responsabilidade da concessionária Ecovias do Araguaia. Segundo ele, ainda não há uma proposta definida para atender os trabalhadores afetados.
“A gente é um município muito humilde, pobre. Não podemos ficar sonhando alto. Se fosse algo dentro das nossas possibilidades, como comprar uma área ou ajudar todos ali, pode ter certeza de que seria meu desejo. Mas a gente não dá conta”, declarou o prefeito à reportagem.
Os comerciantes em questão atuam há décadas às margens da rodovia BR-153, em pontos que agora devem ser desocupados pela Ecovias. De acordo com o prefeito, muitos já foram notificados pela empresa.
“A Ecovias nos procurou, tivemos reunião. Eles falaram que vão fazer a retirada, mas que não vão indenizar ninguém. Disseram que esses comerciantes não têm direito à indenização. Eu mesmo não sei se têm ou não, mas estou aguardando alguma posição da Ecovias”, explicou.
Apesar da situação delicada, Gilber Roque reconhece que algumas famílias precisam de apoio. “Tem pessoas ali que precisam, que estão lá por uma causa justa, trabalhando, cuidando da família. A gente tem que ver quem precisa, o que pode ser feito, e o que a Ecovias também vai ajudar”, disse.
Segundo ele, os comerciantes ainda não buscaram oficialmente a prefeitura. “Ninguém me procurou. Não teve nenhuma reunião com eles ainda”, afirmou.

O prefeito também destacou que, mesmo não pagando impostos, os trabalhadores contribuem para a economia local. “Apesar de não recolherem tributos, esses comércios movimentam a cidade. Caminhoneiros param ali, compram nas bancas e compram alguma coisa no centro da cidade. Com a retirada deles, a cidade perde muito”, avaliou.
Questionado sobre uma possível proposta por parte do município, o prefeito afirmou que ainda não há nada elaborado. “Hoje, para falar a verdade, estou conversando com o jurídico da prefeitura. Não temos uma proposta pronta. É uma situação que precisa ser analisada com cuidado”, concluiu.
Ecovias Araguaia evita comentar sobre indenizações a comerciantes às margens da BR-153
Procurada pela reportagem, a Ecovias Araguaia se limitou a afirmar que realiza “esforços diários para garantir o cumprimento da legislação e resguardar o patrimônio e a faixa de domínio da União Federal”. A concessionária não respondeu aos questionamentos sobre possíveis indenizações ou realocação de comerciantes que atuam às margens da BR-153, alegando já ter se posicionado sobre o tema.
Em nota, a empresa explicou que, em ambos os lados da rodovia, existe a chamada Faixa de Domínio – área de propriedade da União, protegida por lei e que não pode ser ocupada ou adquirida por usucapião.
Segundo a concessionária, uma das obrigações previstas no contrato com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é justamente zelar por essa faixa, coibindo usos indevidos. Para isso, são adotadas medidas que incluem, se necessário, ações de desocupação e reintegração de posse.
A Ecovias afirmou ainda que todas as medidas seguem “rigorosamente o rito contratual e legislativo” e que nenhuma ação é tomada “de forma intempestiva”, a fim de evitar prejuízos a moradores ou comerciantes lindeiros. A empresa destacou também que prioriza o diálogo e a busca por soluções pacíficas, sempre dentro dos limites estabelecidos no contrato de concessão.
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