Em tempos de ruído, a pedra que fala

Atualidades

*Por Giovani Ribeiro Alves

Em tempos de superficialidade e excesso de ruído, é um alento encontrar autores que ainda escrevem com a alma — e Getúlio Targino Lima é, sem dúvida, um desses raros exemplos. Nascido no sertão piauiense, em Floriano, em 1941, ele carregou o sonho no alforje e percorreu uma longa travessia até florescer em solo goiano como advogado, professor, poeta, compositor, jornalista e pensador. Uma saga que ecoa a do retirante nordestino em busca não apenas de sobrevivência, mas de sentido.

Na última semana, o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás prestou merecida homenagem a esse mestre da palavra, que também celebrou o lançamento de seu mais novo livro: A Liberdade da Pedra, uma coletânea com mais de sessenta crônicas que mesclam lirismo, crítica social e contemplação existencial. É uma obra que prende o leitor — não pela pressa, mas pela densidade. Cada texto nos convida a caminhar lentamente sobre o terreno irregular da vida, por vezes duro como pedra, mas sempre fértil em reflexão.

Getúlio escreve com a maturidade de quem carrega mais de oito décadas de vivência, sem jamais perder a sensibilidade do menino do sertão. Em “A Taça da Vida”, ele revisita o episódio bíblico da mulher samaritana com reverência, profundidade e leveza — um exemplo de como fé e literatura podem dialogar sem fanatismo nem concessões. Já em “Ficar no caritó”, o autor se vale de um regionalismo nordestino para lançar uma crítica feroz e bem-humorada aos políticos que perpetuam seus mandatos em nome do próprio umbigo. Merecem, segundo ele, o exílio definitivo no caritó. E eu ouso dizer: com porta trancada.

Mas talvez o que mais comova em A Liberdade da Pedra seja justamente o entrelaçar de lembranças e sentimentos. Em “As Rosas de Leonor”, somos levados à sua infância no Piauí, ao tempo em que uma professora recitava um poema com tamanha beleza e melancolia que arrancava lágrimas dos ouvintes. Há verdade nesse relato. E há memória, afeto e resistência. Ler Getúlio é como abrir uma janela para o passado, com os pés fincados no agora.

Não bastasse o talento como cronista, Getúlio também é compositor de músicas sacras. Em “Dois Pastores”, presta homenagem a Feliciano Amaral, um dos ícones da música gospel brasileira — e é tocante ver como entrelaça fé, arte e gratidão em sua escrita e em sua voz, que ele faz questão de compartilhar com leitores e ouvintes em momentos especiais.

Liberdade da Pedra é mais que um título: é uma metáfora do que Getúlio representa. A pedra é o mundo — árido, duro, implacável. Mas é também a base sobre a qual se constrói, se esculpe e se resiste. E a liberdade é o verbo pulsante de suas crônicas, que nos fazem pensar, sonhar e, sobretudo, sentir.

Num país carente de pensadores autênticos, ler Getúlio Targino Lima é um ato de resistência — e de inspiração. Vale, e muito, a leitura.

Giovani Ribeiro Alves, é escritor, poeta e membro da Academia Goianiense de Letras.

Leia também:

A reverência ao clássico na poética de Getúlio Targino

Hélverton Baiano foi eleito por unanimidade para a Academia Goiana de Letras



Fonte: Jornal Opção

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *