O austríaco Adolf Hitler (1889-1945) chegou ao poder na Alemanha em 1933 — há 92 anos — e não por intermédio de golpe de Estado. O Partido Nazista, em ascensão, foi acolhido pela elite política do país, com o presidente Paul von Hindenburg na comissão de frente, pela via democrática.
Uma vez indicado chanceler, Hitler, com extrema rapidez, mudou as regras do jogo e instalou uma ditadura. Passou a perseguir, de maneira implacável — prendendo ou matando —, adversários, transformados em inimigos, e até aliados recalcitrantes.
Aos poucos, e com habilidade, Hitler começou a rearmar a Alemanha, para prepará-la para a guerra. O mundo assistia, silente, o que estava acontecendo, aparentemente sem perceber — ou sem querer perceber — a gravidade das ações nazistas.
Percebendo a inércia dos Aliados — democratas são sempre mais lentos para decidir, porque, ao contrário dos ditadores, têm de consultar parlamentos e a sociedade —, Hitler começou a agir. Primeiro, anexou a Áustria. A Inglaterra e a França dos primeiros-ministros Neville Chamberlain e Édouard Daladier, inertes, nada fizeram. Até porque a resistência à anschluss foi esmagada rapidamente e sua aceitação pelos austríacos acabou sendo ampla.
Em seguida, Hitler avançou, reclamando os Sudetos, sobre a Tchecoslováquia. Mais uma vez, o britânico Chamberlain e o francês Daladier dormiram no ponto.

Em 1938, avançando o sinal, Hitler assinou um acordo de não agressão com a União Soviética de Ióssif Stálin.
Qual era o objetivo de Hitler, anticomunista notório, ao se aliar a Stálin? Retirar a União Soviética do campo de aliados de ingleses e franceses.
Com o poder sedimentado na Alemanha, com um aliado poderoso — a União Soviética — fornecendo-lhe matérias-primas, Hitler deu um passo adiante e, em setembro de 1939, invadiu a Polônia.
Paradoxalmente, além de ampliar o que chamava de “espaço vital” (lebensraum), Hitler abria uma passagem para a Rússia, que planejava atacar mais tarde.
Com a invasão da Polônia, os Aliados finalmente perceberam que Hitler procedia a uma guerra de conquista e que não iria parar. Por isso, declararam guerra à Alemanha nazista.

Aliados, quiçá avaliando-o como um plebeu inculto, subestimaram Hitler. Sobretudo, não procuraram entendê-lo.
Britânico culto e aberto ao novo, Winston Churchill havia lido “Minha Luta”, livro de Hitler, e por isso pôde entender, com precisão, o que pretendia o líder da Alemanha.
Churchill entendeu que só havia uma maneira de parar Hitler. Pelas armas, não com apaziguamentos. Percebeu também que precisava atrair os Estados Unidos para a guerra.
Quando Hitler, cometendo um erro tanto tático quanto estratégico, invadiu a União Soviética, em 1941, surpreendendo o “amigo” Stálin, Churchill comemorou. A Alemanha teria de lutar em duas frentes e enfrentando um inimigo, a gigante URSS, poderoso.
Quando o Japão atacou Pearl Harbor, em 1941, o fascismo “atraiu” um aliado poderoso para os europeus e um perigo para si mesmo — os americanos do presidente Franklin D. Roosevelt.
Os fascistas “produziram” dois inimigos para si e dois aliados poderosos para os ingleses: os Estados Unidos e a União Soviética.
Pode-se sugerir que, de alguma maneira, Hitler perdeu a guerra quando se tornou o Napoleão do século 20.
Não haverá 3ª Guerra Mundial sem a China
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, deve ser considerado uma espécie de Adolf Hitler do século 21?
O ditador russo, que persegue e mata adversários políticos, jornalísticos e financeiros (os oligarcas permanecem sob ataque), é tão cruel quanto Hitler. Porém, há uma diferença básica: tem armas nucleares.

Sem armas nucleares, Putin não seria tão corajoso, chegando a desafiar até os Estados Unidos, o país mais poderoso do mundo, porém distante, em termos geográficos, da Europa.
O recado de Putin aos Estados Unidos é preciso: suas ameaças são mais direcionadas à Europa. A forma de conter os americanos do presidente Donald John Trump, que fará 79 anos no dia 14 de junho, é certeira. Ou seja, os russos, com armas nucleares, podem subjugar os europeus.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o esfacelamento da União Soviética, em 1991, com a criação de vários países — como Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia, Letônia, Estônia, Lituânia, entre outros —, o filósofo Francis Fukuyama chegou a falar em “fim da história”. Quer dizer, a democracia liberal havia “vencido”.
Porém, o fator Putin e o “ressurgimento” da China — que superou o Japão e a Alemanha e se tornou a segunda nação mais rica do mundo — reconfiguraram o quadro político e econômico global.
Mais do que a Rússia, a China é o país que mais pode “ameaçar” os Estados Unidos. Porque a disputa, neste caso, não é por meio de uma guerra com armas, e sim uma batalha econômica. Frise-se: em termos militares, o país asiático está muito bem armado, inclusive com armas nucleares.
O historiador Niall Ferguson, de Harvard, postula que, dado seu poder no campo tecnológico, os Estados Unidos dificilmente serão superados pela China.

Mas há pesquisadores, como Graham Allison, de Harvard, que registram que a China está se expandindo, no campo científico-tecnológico, de uma maneira tão rápida como nunca se viu na história.
De alguma maneira, Donald Trump não inventou a si. Na verdade, é uma invenção americana, de seu capitalismo — daí o entusiasmo dos gestores das big techs com suas políticas —, com o objetivo de (tentar) “conter” a China.
Uma potência, os Estados Unidos, pode conter a outra, a China, por decreto? Talvez não. Donald Trump quer manter os demais países ao lado da terra de Abraham Lincoln e Franklin Roosevelt, não pelo “amor”, e sim pela “dor”. Daí o tarifaço.
Decretos não têm como controlar o caráter indomável do capitalismo, sobretudo o da China que, sendo híbrido — misto de capitalismo e socialismo —, é ainda mais difícil de combater. O capitalismo chinês conta com alta proteção — além de financiamento — do Estado, o que dificulta as ações dos demais competidores, como os Estados Unidos.
Não haverá Terceira Guerra Mundial sem Estados Unidos e China (aliada da Rússia, ma non troppo).
No excelente livro “A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides?” (Intrínseca, 416 páginas, tradução de Cassio de Arantes Leite), Graham Allison investiga as disputas entre 16 potências dominantes e 16 potências emergentes. Em 12 casos, foram à guerra e uma destruiu a outra.
Graham Allison sugere que é possível uma guerra entre os Estados Unidos e a China, mas ressalva que há como evitá-la. Donald Trump quer uma guerra contra o país governado por Xi Jinping? Por certo, não.
Talvez seja possível sugerir que Donald Trump, um guerreiro mais da economia do que das armas, esteja tencionando para manter os Estados Unidos em primeiro lugar e retardar sua superação pela China.
A China, ao contrário de Hitler, quer superar os Estados Unidos pela economia, e não pelas armas. Há, para os Estados Unidos, o problema de que Donald Trump está empurrando vários países — como o Brasil — para os braços da China.
No caso de uma guerra com armas, a avaliar pelo quadro geopolítico atual, os Estados Unidos, longe de conquistar, está perdendo aliados. Estes podem se tornar aliados da China.

Putin é Hitler com armas nucleares?
Agora, eis uma pergunta crucial: se a China não quer a Terceira Guerra Mundial, a Rússia será capaz de levá-la adiante, contra os Estados Unidos e a Europa, sozinha? Naturalmente que não.
Portanto, sem a China participando, na linha de frente, não se terá Terceira Guerra Mundial. A China não quer a guerra, vale insistir, porque está prestes a se tornar a maior potência do planeta sem nenhuma batalha. Está ganhando espaço exatamente via economia. A hegemonia na produção de carros elétricos está aí para provar que o país não está brincando.
Porém, se num gesto próximo da irresponsabilidade, a Rússia ousar ir à guerra, o que fará a China? Num primeiro momento, tende a operar pelo apaziguamento. Depois, talvez acabe ficando com a Rússia. Talvez é o termo a reter. O fato é que Putin teme uma guerra sem a grande aliada China contra o Império Romano do século 20, os Estados Unidos.
Putin não pode ser subestimado. Porque se tornou poderoso exatamente por ter sido subestimado, como acentua Antony Beevor (leia: https://tinyurl.com/3stndstf), pelos políticos europeus, como Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha.
A Europa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não está desarmada. Mas, mesmo em grupo, não é páreo para a Rússia de Putin, que, baseada em seu amplo (e razoavelmente desconhecido) arsenal nuclear, é uma ameaça destrutiva para toda a Europa.

Se a Rússia não tivesse armas nucleares, os países da Otan não teriam hesitado em apoiar a Ucrânia com seus exércitos. Porém, como a Rússia tem armas nucleares, as nações europeias deram armas e dinheiro ao país de Volodymyr Zelensky, mas ficaram de longe, assistindo à destruição da terra de Nikolai Gógol e Liev Trótski.
Ao contrário do que afirma Donald Trump, Putin não é “louco”. Pelo contrário, é racional e articulado. Quer manter a Rússia — quase imperial — protegida e ameaçadora. Do ponto de vista estritamente pessoal, é medularmente corrupto. Os oligarcas russos — beneficiários das privatizações do gás e do petróleo, por exemplo — passaram a comer em suas mãos (leia resenha de livro de Masha Gessen: https://tinyurl.com/yv7b4afb). Se não o fizerem, são presos, assassinados ou “se suicidam”.
Mas Putin pode destruir a Europa? Com armas nucleares, sim. Mas ousaria? Dificilmente. Ele só está mandando recado, do tipo: “Afastem-se dos meus domínios”.
No caso de uma guerra da Rússia contra a Europa, Donald Trump, seguindo o que Franklin Roosevelt fez entre 1941 e 1945, mandaria ajuda para aos tradicionais aliados? Mesmo sendo mezzo isolacionista, certamente enviaria apoio.
Uma Europa “russificada” seria pior para os Estados Unidos do que a China. O país de Donald Trump ficaria isolado.
Há, por fim, a questão nuclear. Uma guerra com armas nucleares é altamente destrutiva, inclusive para a Rússia, no caso de ataques dos Estados Unidos.
Depois de 1945, as armas nucleares contribuíram para gerar a Guerra Fria. Ou seja, as potências dominantes, Estados Unidos e União Soviética, se tratavam como rivais, até inimigas, mas não foram às vias de fato.
A paz, ainda que com ameaças — como a crise dos mísseis em Cuba, em 1962 —, foi garantida, paradoxalmente, por causa das armas nucleares. De seu poder imenso de destruição para todos.
Então, e exatamente por causa das armas nucleares, é muito possível que, apesar de guerras localizadas — na Ucrânia, na Faixa de Gaza, no Líbano, Índia versus Paquistão —, o mundo não precipitará uma Terceira Guerra Mundial. Razão ou torcida? Talvez as duas coisas.
Resenha de livro de Andrew Roberts sobre a 2ª Guerra Mundial
O post Entenda por que o mundo não vai partir para a Terceira Guerra Mundial apareceu primeiro em Jornal Opção.