O ditador Ióssif Stálin, da União Soviética, tinha certa cultura e chegou a escrever poesias (leia no Jornal Opção: https://tinyurl.com/2yn4cc2j) — algumas delas recolhidas pelo historiador britânico Simon Sebag Montefiori no livro “O Jovem Stálin” (Companhia das Letras, 528 páginas, tradução de Pedro Maia Soares).
Stálin tinha apreço por alguns escritores, inclusive por aqueles que não conseguia controlar. Então, mandava prendê-los ou até matá-los. O poeta Óssip Mandelstam escreveu um poema debochando do ditador, até de seus bigodes de barata. Acabou preso e morreu, de tifo, num dos campos de prisioneiros.

O notável contista Isaac Bábel foi executado. Depois de se tornar aliado de Stálin, Maksim Górki teria sido envenenado.
Entretanto, como homem inteligente e perspicaz, Stálin apreciava manter intelectuais e escritores, como seu “amigo” Boris Pasternak, nas proximidades — sobretudo para defendê-lo. Afinal, era o “guia genial dos povos”.
O realismo socialista de Andrei Jdánov tinha o dedo de Stálin. Uma literatura socialista, gestada para defender as ideias dos comunistas soviéticos, era a nova regra. Quem não escrevesse pelo cânone stalinista era excluído das editoras e se tornavam inéditos.
Agora, sai no Brasil o livro “Engenheiros da Alma — Nos Passos dos Escritores de Stálin” (Âyiné Editora, 360 páginas), de Frank Westerman, que relata o estreito contato do ditador com escritores.

Górki escapara para a Itália, mas, convencido pelos agentes de Stálin, que dizia admirá-lo, voltou à União Soviética. Mais tarde, teria sido envenenado por agente do ditador.
Segundo release da editora Âyiné, Stálin se reuniu com escritores na casa do “protegido” Górki, em outubro de 1932.
Durante a reunião, como sr. de almas e corpos, Stálin disse: “Nossos tanques são inúteis, se as almas que os conduzirão forem feitas de barro. Cabe aos escritores, ‘engenheiros de almas’, forjar o novo homem soviético”.
Ali, de acordo com Frank Waterman, nascia “a estética proletária da construção e da produção, útil para celebrar as colossais obras de engenharia hidráulica dos primeiros planos quinquenais que, graças ao trabalho forçado do Gulag, estavam domando a natureza ‘inimiga’ do território soviético: desvios de leitos de rios, milhares de quilômetros de canais, usinas de dessalinização da água do mar”.

Stálin estava convocando — ordenando, melhor dizer — os escritores, operários sofisticados da palavra, para enaltecer seu governo e celebrar a operosidade do comunismo. O objetivo era conquistar a opinião interna e externa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Stálin enviou jornalistas e escritores — como Iliá Ehrenburg e Vassíli Grossman (cujo trabalho independente e crítico desagradou a cúpula comunista) — para acompanhar os soviéticos na sua luta contra o nazismo.
A leitura de um livro de Konstantin Paustóvski (Boris Schnaiderman diz que seu livro “Relatos da Vida”, narrativa autobiográfica, é “importante”), de 1932, sobre a “eliminação de desertos”, é o ponto de partida de Frank Westerman para construir seu “Engenheiros da Alma”.

Frank Westerman examina das ruínas industriais do Golfo de Kara-Bogaz ao Canal Belomor (os prisioneiros Mikhail Bakhtin e Varlam Chalámov trabalharam na construção do Canal Mar Branco–Báltico).
Górki, Aleksei Tolstói, Mikhail Zóschenko, entre outros, foram convocados para “engrandecer” as grandes obras de engenharia de Stálin e seu grupo político. A turma era, por assim dizer, a “historiografia instantânea do socialismo”.
Jornalista investigativo, Frank Westerman não se concentra nos chamados “grandes dissidentes”, e sim nos escritores “mais ou menos acomodados” (uma forma de sobreviver ao terror stalinista, quem sabe). Ele cita Paustóvski e o “atormentado” Andrei Platónov.
No excelente livro “Como Ler os Russos” (Todavia, 300 páginas), na página 161, o crítico e tradutor Irineu Franco Perpétuo escreve que Brodsky saudou Platónov como “o maior escritor russo” do século 20.
Platónov, frisa Irineu Franco Perpétuo, “realizou experimentos com a linguagem que até hoje deixam os estudiosos perplexos”. Tatiana Tolstáia sustenta: “Platónov escreve como se ninguém tivesse escrito nada antes dele, como se ele fosse a primeira pessoa a colocar caneta no papel”.
Stálin e seus epígonos souberam escolher os “engenheiros da alma” certos para enaltecer suas gigantescas obras de infraestrutura. Na construção do Canal Belomor morreram cerca de 22 mil pessoas. Quase todos prisioneiros.
Boris Pilniak (1894-1938), autor de “O Ano Nu”, de 1922, e “O Volga Deságua no Mar Cáspio”, de 1930, colaborou para tornar Stálin um gigante tão grande quanto suas obras. Mas, como não era um adesista contumaz, acabou executado, aos 43 anos, no gulag. Teria “conspirado” para matar Stálin, o que ninguém, nem Ióssip, acreditava que fosse verdade. Era apenas um grande escritor.
A Editora Âyiné sublinha que Frank Westerman “reconstrói com acentos pessoais a relação entre o poder e os artistas, e seu doloroso esforço para encontrar um espaço possível entre o ditame e a inspiração”.
O post Livro conta a história dos escritores que louvaram e justificaram Stálin e suas obras apareceu primeiro em Jornal Opção.