Na Audiência Geral desta quarta-feira (20/08), Leão XIV reflete sobre o significado da misericórdia cristã, um abraço gratuito dado sem nenhuma condição prévia, tão importante para a paz.
Andrea Tornielli
“O verdadeiro perdão não espera pelo arrependimento, mas oferece-se primeiro, como um dom gratuito, antes mesmo de ser aceito”. Com essas palavras, Leão XIV comentou o trecho do Evangelho de João que descreve Jesus enquanto oferece o pão também ao traidor Judas. É a lógica divina, tão distante daquela humana do do ut des. Jesus, explicou o Papa, não ignora o que acontece, mas justamente porque vê com clareza, sabe que “a liberdade dos outros, mesmo quando perdidos no mal, pode ainda ser alcançada pela luz de um gesto bondoso”. É o escândalo do perdão “preventivo”, que antecipa, com a oferta do abraço da misericórdia, sem exigir nenhuma condição prévia. Assim como aconteceu com o publicano Zaqueu, que se arrependeu porque foi chamado e acolhido por Jesus, que se auto-convidou para sua casa, para grande consternação de todos diante do gesto de ruptura das tradições e convenções realizado pelo Nazareno.
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Quanto nossas vidas e nossos relacionamentos precisam desse perdão. Quanto nosso mundo precisa desse perdão, que “não é esquecimento, não é fraqueza”. Vêm à mente as palavras proféticas da mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002, que João Paulo II publicou pouco depois dos ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos. Enquanto todos pensavam na guerra “preventiva”, na onda da enormidade do ataque sofrido, o Pontífice quis dizer que “não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão”. “Muitas vezes – afirmava o Papa Wojtyla –me detive a refletir nesta questão: qual é o caminho que leva ao pleno restabelecimento da ordem moral e social tão barbaramente violada? A convicção a que cheguei, raciocinando e confrontando com a Revelação bíblica, é que não se restabelece cabalmente a ordem violada, senão conjugando mutuamente justiça e perdão. As colunas da verdadeira paz são a justiça e aquela forma particular de amor que é o perdão”. Não apenas as pessoas individualmente, mas também “as famílias, os grupos, os Estados, a própria Comunidade Internacional, necessitam se abrir ao perdão para restaurar os laços interrompidos, superar situações estéreis de mútua condenação, vencer a tentação de excluir os outros, negando-lhes a possibilidade de apelo. A capacidade de perdão está na base de cada projeto de uma sociedade futura mais justa e solidária”.
O perdão não concedido, por outro lado, explicava ainda João Paulo II, “especialmente quando alimenta o prolongamento de conflitos, supõe custos enormes para o desenvolvimento dos povos. Os recursos são destinados para manter a corrida aos armamentos, as despesas de guerra, as consequências das represálias econômicas. Acabam assim por faltar os recursos financeiros necessários para gerar desenvolvimento, paz e justiça. Quantos sofrimentos padece a humanidade por não saber reconciliar-se, e quantos atrasos por não saber perdoar! A paz é a condição do desenvolvimento, mas uma verdadeira paz torna-se possível somente com o perdão”.
Papa Leão concluiu a audiência explicando que “sem o perdão nunca haverá paz!”. E nos convidou para um dia de oração e jejum pela paz na sexta-feira, 22 de agosto, para implorar a intercessão de Maria Rainha da Paz, e para pedir a Deus paz e justiça para o mundo flagelado pelas guerras. Pelo nosso mundo, que tanto precisa do perdão “preventivo”.