Entre as casas dos Agostinianos e as paróquias da capital regional de La Libertad, no Peru, onde Prevost passou 11 anos de missão nas décadas de 80 e 90, estabelecendo um vínculo com seus confrades e fiéis. Tanto é que dizem que “seu aniversário era celebrado 15 vezes. Todos queriam comemorá-lo”. Os religiosos o lembram como um homem de profunda espiritualidade e “exigente”. Os paroquianos de Santa Rita e Montserrat: “Para ele, éramos todos iguais”.
Salvatore Cernuzio – Trujillo, Peru
Em Trujillo, o episódio mais recorrente sobre Robert Francis Prevost é que seu aniversário era comemorado pelo menos quinze vezes. Uma vez com os confrades agostinianos, uma vez na paróquia, uma vez com um casal de idosos e outras vezes com as muitas famílias que ele ajudou. Todos gostavam de passar horas comemorando com aquele gringo magrinho vindo dos Estados Unidos, com seu tom suave e maneiras reservadas, sua inteligência aguçada e a intuição típica de quem tem capacidade de liderança. “Um homem de proximidade, mas também de exigência”, lembra o padre agostiniano Juan. “Um homem bom”, diz María, sacristã da Paróquia de Santa Rita de Cássia. “Um jovencito (jovenzinho) humilde e gentil”, lembra Ivonne.
Trujillo, capital da região de La Libertad, no norte do Peru, orgulha-se de onze anos de convivência com o homem hoje conhecido mundialmente como Leão XIV. “Ele passou mais tempo aqui do que em Chiclayo, mas não muito”, brincam os moradores locais, aludindo à “rivalidade” com a diocese onde Prevost foi bispo. O missionário de Chicago chegou a Trujillo em 1987 e foi formador dos futuros agostinianos no Vicariato de San Juan de Sahagún, tornando-se posteriormente professor universitário e pároco. Foi pároco em Santa Rita e Nuestra Señora de Montserrat e os fiéis das duas paróquias expressam um profundo amor por este homem muito antes de ele ser eleito para a Sé de Pedro.
Terra de dificuldades e contradições
Proximidade, misericórdia e ternura: palavras que o Papa Francisco indicou como as três “características” de Deus. Delas “el padre Roberto” – como os trujillanos ainda o chamam, corrigindo-se imediatamente “disculpe, Papa León!” – tornou-se um exemplo concreto em meio à população de uma cidade que, talvez mais do que qualquer outra na América do Sul, manifesta a tensão entre riqueza e pobreza.
Trujillo é, de fato, uma terra de contradições. Contradições arquitetônicas, com seus prédios antigos, a Plaza de Armas, uma catedral majestosa e, a menos de 20 minutos de carro, bairros carentes, com casas em ruínas e uma expansão de casas construídas com barro. Contradições sociais, entre negócios prósperos e altos índices de criminalidade, entre os muitos ricos que se reúnem à noite nos bares para beber uísque e comer e, a poucos metros de distância, na rua, em meio a carros parados pelo trânsito, homens puxando seus filhos pequenos pela mão enquanto tentam vender pacotes de chifles e pipoca.
No coração dos confrades
Prevost viu e vivenciou tudo isso, mergulhando no âmago da vida social e eclesial de Trujillo, como fizera anos antes, ao chegar a Chulucanas. A Casa Agostiniana na Avenida La Marina está impregnada de suas lembranças, assim como do cheiro do mogno e das plantas do pátio. Os confrades preservam o quarto de “Roberto” como se fosse uma relíquia: seu hábito preto e sua estola litúrgica bordada com o emblema de Santo Agostinho, pendurados na porta de um armário; a edição de 1983 do Código de Direito Canônico, apoiada sobre a mesa de cabeceira, entre uma cruz e o ícone da Mãe do Bom Conselho; cadernos abertos sobre a escrivaninha, com anotações e cartas, e a assinatura cursiva em letra miúda: Robert Francis Prevost, OSA.
O padre Alberto Saavedra, vestindo uma camisa de manga curta e chinelos — do tipo que todo mundo usa em Trujillo, independentemente das ruas ou do clima —, mostra a sala, indicando também o caminho para a capela, com suas paredes cor de vinho. “Aqui, o padre Prevost celebrava a missa todos os dias”, diz o agostiniano, como se estivesse guiando um passeio por um museu: “Este é o banco onde ele se sentava para rezar, estes são os vitrais importados dos EUA.” Uma placa na parede exibe uma foto e a inscrição: “Luis M. Prevost, bienhector, amigo y hermano”. É uma homenagem ao pai do atual Papa, um benfeitor da comunidade onde seu filho era mestre dos professos. Dentre eles está o padre Alberto, que, no entanto, é tímido ao compartilhar fatos pessoais: “Ele sempre nos enviava um cartão no dia do nosso aniversário”, diz ele sucintamente.
Telefonemas aos jovens em formação
O padre Ramiro Castillo, vigário superior dos Agostinianos do Norte do Peru, é um manancial de episódios e memórias. Ele abre um sorriso enquanto, sentado junto à fonte do pátio, mostra uma pilha de fotos: “São preciosas, não são?”. São todas imagens inéditas do jovem Robert Prevost durante seus anos em Trujillo, durante as missas em igrejas e parques, em peregrinações, nos canteiros de obras paroquiais. “Ele é uma pessoa de profunda espiritualidade agostiniana, dedicado ao seu trabalho, que dedicou muito tempo a ouvir os jovens”, diz Ramiro, que foi filho espiritual, aluno e amigo de Prevost. “Para mim, ele é uma figura importante… Foi meu diretor espiritual”, explica, tirando uma foto de aos 20 anos, com o cabelo cacheado e uma camiseta branca, abraçando o futuro Pontífice. “Ele fez história nesta cidade, mas também no coração de todos que o conheceram.”
Especialmente na comunidade de Agustinos: “Ele ligava constantemente para perguntar: ‘Vocês estão bem nesta casa? Como está sua saúde? E sua vocação? Vocês conseguem rezar?’. Ele era atencioso com todos nós em geral, muito próximo, afetuoso. Gentil, mas sempre sério. E acima de tudo, calmo.” Participava das atividades diárias “como um de nós”. E “como um de nós”, não desdenhava jantares e aniversários, comendo bolos, sorvetes ou o típico ceviche. “Veja”, diz o padre Ramiro, apontando para outra foto do Papa com um casaco leve e camisa listrada: “Ele comemorou seu aniversário durante 15 dias porque as pessoas o amavam tanto que o convidavam para todos os lugares.”
Homem do sorriso e exigente
O padre Juan Seminario, também formado pelo então Mestre dos Professos, sorri em um canto. “Roberto não é do tipo que fala por falar; antes, antes de falar, ele medita e mede suas palavras, para corrigir ou enfrentar uma situação injusta.” Acima de tudo, sua espiritualidade é forte: “A primeira pessoa que eu via na capela de manhã cedo era ele. Era ‘ansioso’ por Deus.” E “era exigente, hein! Exigia de nós acima de tudo formação acadêmica”, diz o religioso. Ele confidencia que enviou uma mensagem de WhatsApp ao Papa na noite da eleição. “Ele me respondeu… Eu escrevi para ele, dizendo para ser o mesmo de sempre, o mesmo homem de oração, de escuta, de reflexão. E acredito que Leão XIV sempre será o padre Roberto, o homem do sorriso e exigente.”